Uma breve história da obra
George J. Shepherd, Unicamp

Geralmente considerada uma das maiores obras botânicas de todos os tempos, a Flora brasiliensis impressiona até hoje pela sua escala monumental, o tamanho físico dos volumes e, acima de tudo, a qualidade e beleza das suas ilustrações. Até bem recentemente, a Flora brasiliensis era o maior projeto de Flora completado na história da botânica e só foi ultrapassada, em 2004, pela Flora Republicae Popularis Sinicae (Flora da República Popular da China).

A história da Flora brasiliensis começa com a grande viagem de Spix e Martius. Após chegarem ao Rio de Janeiro no dia 15 de julho de 1817, junto com um grupo de naturalistas e cientistas que acompanhavam a arquiduquesa Leopoldina como parte da Missão Austríaca, começaram uma viagem épica que percorreu 10.000 km durante um período de três anos e que passou por quase todos os principais tipos de vegetação do Brasil.

A viagem de Spix e Martius

Após uma série inicial de expedições na vizinhança de Rio de Janeiro, Spix e Martius começaram a viagem, em dezembro de 1817, rumando primeiro em direção a São Paulo, onde chegaram ao final daquele ano. Em 1818, iniciaram uma etapa longa, viajando desde São Paulo até o sul da Bahia, fazendo extensas coleções especialmente em Minas Gerais e na Bahia, onde chegaram em novembro de 1818. Coletaram durante alguns meses no Nordeste, além da Bahia, nos estados de Pernambuco, Piauí e Maranhão e, em julho de 1819, embarcaram para Belém. Depois de coletar na Ilha de Marajó e diversas localidades ao redor de Belém, começaram a última etapa da expedição subindo o rio Amazonas até Manaus onde se separaram, Spix subindo pelo rio Negro e afluentes enquanto Martius seguia os rios Solimões e Jupará. Retornaram a Belém em abril de 1820 e embarcaram para Europa em junho do mesmo ano. Chegaram em Lisboa no dia 23 de agosto e, finalmente, em Munique em dezembro de 1820.

A expedição foi realizada sem nenhum acidente sério ou perda dos materiais coletados - algo incomum para expedições científicas naquela época - e trouxe de volta para Europa a coleção inteira de 20.000 exsicatas, contendo ao redor de 6.500 espécies de plantas, além de grande número de espécimes zoológicos e uma extensa coleção de artefatos das diferentes tribos de indígenas encontradas durante a viagem.

A publicação da Flora brasiliensis

Voltando para Munique, Spix e Martius iniciaram a publicação dos resultados da expedição, começando com o relato da própria viagem (Reise in Brasilien), mas a morte prematura de Spix, em 1826, deixou Martius sozinho com a tarefa de completar os últimos dois volumes. Com a morte de Spix, Martius também assumiu as tarefas de revisão e publicação dos resultados zoológicos, junto com suas próprias obras sobre as coleções botânicas. Estas últimas incluíram Nova Genera et Species Plantaram, descrevendo as Fanerógamas em três volumes entre 1823 e 1832 e Ícones Selectae Plantarum Cryptogamicarum Brasiliensium, descrevendo as Criptógamas em um volume em 1827. As duas obras foram fartamente ilustradas com pranchas de alta qualidade. Martius se interessou profundamente pelas palmeiras que tinha visto durante a viagem ao Brasil e esse interesse resultou na sua célebre obra Historia Naturalis Palmarum, publicada em três volumes entre 1823 e 1853. O terceiro volume dessa magnífica obra inclui descrições de todas as palmeiras conhecidas até então e os outros dois volumes contêm contribuições de Martius e outros especialistas. Os volumes foram ilustrados com um grande número de pranchas coloridas de altíssima qualidade, que estão entre as melhores disponíveis até hoje para essa importante família.

Após uma tentativa inicial, logo abandonada, de publicar uma Flora do Brasil em colaboração com seu amigo Nees von Esenbeck, Martius foi encorajado pelo príncipe Metternich a iniciar a publicação em escala muito maior e bem mais ambiciosa de uma Flora do Brasil. Esse foi o projeto que se tornou a Flora brasiliensis que nós conhecemos hoje. Foi iniciado em 1839, primeiro com Stephan L. Endlicher como co-editor e posteriormente também com Eduard Fenzl, dada a magnitude da tarefa enfrentada, com cerca de 60 autores. Entre estes figuravam muitos dos mais ilustres botânicos alemães e europeus da época. O projeto recebeu apoio financeiro do imperador Ferdinando I da Áustria, do rei Ludovico I da Baviera e do imperador Dom Pedro II do Brasil. Em 1840, foi publicado o primeiro dos 140 fascículos que iriam compor a obra e esta foi terminada somente em 1906, muito após a morte de Martius (1868).

Com a morte de Martius, o projeto continuou com August W. Eichler e depois, Ignatz Urban como editores. O último fascículo foi publicado em abril de 1906 e um suplemento contendo ilustrações da família Rubiaceae, não publicadas anteriormente, foi lançado em 1915.

A Flora brasiliensis, na sua forma final, consiste de 15 volumes subdivididos em 40 partes originalmente publicados na forma de 140 fascículos individuais. Descreve um total de 22.767 espécies, das quais 19.629 são nativas e 5.689 foram descritas como novas na obra. O texto contém 20.733 "páginas" que, na realidade, são colunas (duas em cada página), e as 3.811 pranchas ilustram 6.246 espécies. Cinqüenta e nove pranchas ilustram paisagens e tipos de vegetação, a maioria acompanhada por uma descrição minuciosa do próprio Martius, e usadas para explicar o sistema de classificação da vegetação brasileira criada por ele. Muitas dessas pranchas foram adaptadas dos desenhos e pinturas de Thomas Ender, o artista que acompanhou Spix e Martius durante o primeiro ano da viagem, mas teve que voltar para Europa posteriormente por problemas de saúde (veja "As pranchas fisionômicas e seus modelos").

Até hoje a Flora brasiliensis é a única Flora completa para o Brasil e, para muitas famílias, continua sendo a única revisão completa disponível. Além do seu valor histórico, ainda é utilizada rotineiramente na identificação de plantas do Brasil e da América do Sul.